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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Um súdito da Rainha


Inexplicável, a palavra era essa.
Um sentimento desconhecido tomava conta de todos os pensamentos. Era o vazio. Talvez por estar certo de que tudo era óbvio demais ou por, simplesmente, subestimar a condição humana. Coitado. O Google não era o suficiente para a insaciável busca do verdadeiro sentido da sua existência. Resolveu então recorrer às origens. Projetava o café da manhã servido pela Rainha dos BaiXinhos na sua própria cozinha se enchendo de energia para o pogo-ball na varanda. Não pensava muito, era feliz. Sorte, naquele tempo, era acordar mais cedo para assistir o Gato Félix e o Pequeno Príncipe. A tentativa em ser um bom menino era árdua, mas o saudoso Carequinha dava as dicas. Tinha a proteção do Papai do Céu. Rezava pra Ele à noite e não questionava Sua existência. Rezou para zerar o Alex Kid do Máster que ganhou do Papai Noel e zerou. Rezou para a vovó sarar e ela sarou. Era convicto. Na puberdade, rezar para não ficar de recuperação não surtia efeito. Por outro lado, conseguia se conectar na nonagésima oitava tentativa rezando. As madrugadas no ICQ eram imperdíveis. Rezava para não perder a hora do colégio e perdia. Conheceu o Pato Fu e Allan Kardec. Passou a visitar o plano espiritual através dos sonhos. Era, mais uma vez, convicto. A Viagem acabou. Seu encanto também. Não queria ser um ponto brilhante no infinito como o Otávio Jordão e a Diná. Tentou ver Nossa Senhora no céu com uma radiografia e não conseguiu. Sempre se perguntou porque todo mundo via, menos ele. Criou uma conta no Yahoo, e tem até hoje. Achava que iria mudar o mundo com suas idéias estapafúrdias. Conheceu a morte de perto e passou a achar certas manifestações religiosas uma grande bobagem. Começou a dar mais importância à matéria e caiu numa rotina um tanto quanto entediante. Achou o diário do Einstein perdido numa gaveta essa semana. Imagina também ter achado umas respostas para alguns de seus conflitos. Pobrezinho. Tem se esforçado para entender o mundo e o homem. Acredita, sim, nas intenções. Tem estado convicto. Defende o meio-ambiente e gosta de matemática. Talvez consulte uma numeróloga. Passou a observar o poder das palavras e a lei do retorno. Impressiona-se a cada dia. Tem pensado no futuro. Acha sua geração acomodada. Quer mudar o mundo, mas é muito acomodado. Ser acomodado o incomoda e três elefantes incomodam, incomodam e incomodam muito mais. O verão de 2010 o amedronta. Finalmente aprendeu a twittar e se tornou um Mafioso sedento por pacotes de energia. Tem sido de frases curtas. É adepto à praticidade e tenta trazê-la cada vez mais para o seu universo. Talvez seja agnóstico. Usa e abusa da vulgarização da palavra ‘dignidade’ e todas as suas derivações. Tem tentado aprender a escrever. Pratica muito pouco. A cada dia que passa se apega mais à família. Descobriu ainda ter o antigo carisma com as crianças, especialmente os bebês, e fica muito feliz por isso. Por ora, optou pela visão positiva de encarar a vida e, assim como Albert Einstein, acredita que o verdadeiro significado da vida é ser feliz.

Stephano Matolla.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Os Anos Dez

Rio de Janeiro, 04 de Junho de 2059


                    O sol acabara de apontar nessa quarta-feira saudosista. O sono pesado dos vinte e cinco ficou na memória. É estranho ninguém ter descoberto uma fórmula para eliminar a vista cansada. O banho de sol das folhas verdes visto pela janela traz uma recordação gostosa de Laranjeiras. As primeiras descobertas, as primeiras quedas e as primeiras vitórias fazem parte desta década tão marcante. O funcionalismo público era entediante! Meu Deus, como era possível trabalhar com contabilidade aos vinte e seis anos? Minha primeira campanha publicitária era veiculada no antigo O GLOBO. Assinava a minha primeira direção em um espetáculo de repercussão surpreendente. O primeiro contato com a morte também veio nesse tempo. O fim de alguém próximo era raro e assustador! De olhos fechados, tenho a imagem na minha mãe. A saudade é tanta. Os problemas tomavam uma dimensão muito maior do que na verdade eram. Discussões sem pé nem cabeça. Seria capaz de dar o mundo por uma tarde contando a ela tudo de bom que a vida trouxe nos últimos anos. Nossos religiosos cafés dos sábados no Leblon eram marcantes nos anos quarenta. Lembrávamos do começo do milênio, dos pensamentos insanos daquela década. Deus, quanta ingenuidade! As idas e vindas para Leopoldina aos finais de semana, o almoço de domingo na casa da Mãe Léa, com a macarronada e o pernil da Ana, que não como à cerca de trinta anos, que cheiro! O hoje ícone brasileiro da engenharia João Pedro Matolla Brettas, naqueles tempos, gritava ordenando ao Tio Rogério a abaixar o som, enquanto o compositor João Marcelo pedia o contrário. A dermatologista renomada Raíssa Matolla ingressava na faculdade ao passo que a minha irmã dava início a sua carreira administrativa. Minha irmã! O que seria da minha vida sem ela? Desde que nascemos a nossa cumplicidade profissional já era presente. Ela sempre soube administrar com firmeza as minhas criações. E sem ela, acho que seria impossível ter construído um patrimônio. Meus padrinhos me presenteavam com o batismo da internacional Nicolle Matolla, naquele tempo minha Nicollina. Como eu sinto falta do cafezinho na cozinha onde a Mãe Léa, com sua sábia experiência, tentava inúmeras vezes me fazer entender o porquê de cada por que! Nessa década, vivi meus tios. Aprendi a amá-los. As madrugadas insanas com a Tia Silmara eram curtidas até a última ponta enquanto o Tio Rogério me ensinava a gostar de música. As viagens para Resende eram o máximo! Ria, chorava, aprendia e ouvia muito minha Madrinha Poetiza e meu Padrinho Woorkaholic. Aprendi a dirigir. Digo, comecei a tentar aprender. Como eu era barbeiro! Os gritos de pavor da minha mãe eram hilários. Já não dirijo há uns cinco anos, não sinto a mínima falta. A ausência do meu pai era incômoda. Lamento ter vivido meu pai apenas ao fim. A Mãe Léa tinha razão! O biscoito frito e o bolo da Tia Wilma eram especiarias, posto que a Tia Wilma é eterna. O Ronaldo me acordando após uma bebedeira pra pegar o ônibus pro Rio, enquanto minha mãe só sabia que eu tinha viajado depois do sono, praxe. Amigos. Tantos especiais passaram nesses anos. Alguns, estreitando parcerias profissionais firmadas até hoje. Os sustos que o Brandão levava com a minha inconseqüência eram constantes. Pobre Brandão! Como era fácil culpar minha mãe pela minha incompetência. Só depois dos quarenta entendi que nós somos os únicos responsáveis pelo que recebemos da vida. O Marcos foi meu primeiro patrão. Ensinou o verdadeiro significado de responsabilidade. Sou muito grato a ele. Lula, o Lula! Uma decepção aos contestadores esquerdistas. A Rede Globo era a quarta maior emissora do mundo, enquanto a Record tinha uma qualidade de imagem péssima. Quem diria! Hoje, aos setenta e seis vejo com emoção tudo àquilo que passou. Os cabelos brancos me denunciam. Tinha medo de não tê-los. A coluna dói. A fisioterapeuta chegou, minha sobrinha neta predileta! Vai começar a sessão. Fico por aqui, com carinhos saudosos...

Stephano Matolla.

04/06/2009