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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

SER MINEIRO por Frei Betto

          Como todo mineiro é um pouco filósofo, há um mistério sobre o qual venho há anos especulando: o que é ser mineiro? Das reflexões e inflexões que extraí sobre a mineirice, muitas delas colhidas em filosóficas inscrições de rótulos de cachaça e quinquilharias de beira de estrada, eis as conclusões prévias e provisórias, sujeitas a chuvas e trovoadas, a que cheguei: Ser mineiro é dormir no chão para não cair da cama; usar sapatos de borracha para não dar esmola a cego; sorrir sem mostrar os dentes; tomar café ralo e esconder dinheiro grosso. É desconfiar até dos próprios pensamentos e não dar adeus para evitar abrir a mão. Mineiro pede emprestado para disfarçar a fartura. Se é rico, compra carro do ano e manda pôr meia sola em sapato usado. Mineiro vive pobre para morrer rico. Mineiro não fica louco; piora. Não é contra nem a favor; antes, pelo contrário. Mineiro fala de desgraça, doença e morte, e vive como quem se julga eterno. Chega na estação antes de colocarem os trilhos, para não perder o trem. Relógio de mineiro é enfeite. Pontual para chegar, o mineiro nunca tem hora para sair. A diferença entre o suíço e o mineiro é que o primeiro chega na hora. O mineiro chega antes. O bom mineiro não laça boi com embira; não dá rasteira em pé de vento; não pisa no escuro; não anda no molhado; não estica conversa com estranhos; só acredita em fumaça quando vê fogo; pede no açougue lombinho francês; só arrisca quando tem certeza e não troca um pássaro na mão por dois voando. Mineiro fala de política como se só ele entendesse do assunto; finge que acredita nas autoridades e conspira contra o governo; faz oposição sem granjear inimigos; gera filhos para virar compadre de político; foge da luz do sol por desconfiar da própria sombra; vive entre montanhas e sonha com o mar; viaja mundo para comer, do outro lado do planeta, um tutu de feijão com couve picada. Ser mineiro é venerar o passado como relíquia e falar do futuro como utopia; curtir saudades na aguardente e paixão em serenatas; dormir com um olho fechado e outro aberto; acender vela à santa e, por via das dúvidas não conjurar o diabo... Ser mineiro é fazer a pergunta já sabendo a resposta. É ter orgulho de ser humilde. É bancar a raposa e ainda insistir em tomar conta do galinheiro. Mineiro fica em cima do muro, não por imparcialidade, mas para poder ver melhor os dois lados. Cabeça-dura, o mineiro tem o coração mole. Acredita mais no fascínio da simpatia que no poder das idéias. Mineiro é isso, sô! Come as sílabas para não morrer pela boca. Fala manso para quebrar as resistências do interlocutor. Sonega letras para economizar palavras. De vossa mercê, passa pra vossemecê, vossência, vosmecê, você, ocê, cê e, num demora muito, usará só o acento circunflexo! Mineiro fala um dialeto que só outro mineiro entende, como aquele sujeito que, à beira do fogão de lenha, ensinava o outro a fazer café. Fervida a água, o aprendiz indagou: "Pó pô pó?" E o outro respondeu: "Pó pô, pô". Ser mineiro é saber criar bois, filhos e versos. É ir ao teatro, não para ver, mas para ser visto. É frequentar igreja para fingir piedade; rir antes de contar a piada e chorar com a desgraça alheia. Mineiro adora sala de visitas encerada e trancada, na esperança de retorno do rei. Avarento, não lê o jornal de uma só vez para não gastar as letras, e ainda guarda para o dia seguinte para poder ter notícias. Mineiro não lê, passa os olhos. Não fala ao telefone, dá recado. Praia de mineiro é barzinho, restaurante, balcão de armazém e cerca de curral.. Ali a língua rola solta na conversa mole, como se o tempo fosse eterno. Certo mesmo é que o momento é terno. Ser mineiro é ajoelhar na igreja para ver melhor as pernas da viúva, freqüentar batizado para pedir votos e ir a casamentos para exibir roupa nova. Mineiro vai a enterro para conferir quem continua vivo. Nunca sabe o que dizer aos parentes do falecido, mas fica horas na fila de cumprimentos para marcar presença. Leva lenço no bolso para o caso de ter de enxugar as lágrimas da família. Não manda flores porque desconfia que a flora não cumpre o trato e embolsa a grana. Ser mineiro é esbanjar tolerância para mendigar afeto. É proferir definições sem se definir. É contar casos sem falar de si próprio. Mineiro é feito pedra preciosa: visto sem atenção não revela o valor que tem. Mineiro é capaz de falar horas seguidas sem dizer nada. Esconde o jogo para ganhar a partida. Cumprimenta com mão mole para escapar do aperto e acredita que a fruta do vizinho é sempre mais gostosa. Mineiro age com a esperteza das serpentes, mas se veste com a simplicidade das pombas, e encobre suas contradições com o manto fictício da cordialidade. Mineiro é como angu, só fica no ponto quando se mexe com ele. Desconfiado, retira o dinheiro do banco, conta e torna a depositar. Ser mineiro é fazer cara feia e rir com o coração; andar com guarda-chuva para disfarçar a bengala; fumar cigarro de palha para espantar mosquitos; mascar fumo para amaciar a dentadura. Mineiro sabe quantas pernas tem a cobra; escova os dentes do alho; teme rasteira de pé de mesa; toma café ralo para enxergar o fundo da caneca e, por via das dúvidas, põe água e alpiste para o cuco. Ser mineiro é fingir que não sabe o que bem se conhece. Mineiro que não reza não se preza. Religioso, na crendice mineira há lugar para todos: O Cujo e a mula-sem-cabeça; assombrações e fantasmas; duendes e extra-terrestres. Pacífico, mineiro dá um boi para não entrar na briga e a boiada para continuar de fora. Mas, se pisam no calo do mineiro, ele conjura, te esconjura, jurado e juramentado no sangue de Tiradentes. "Minas Gerais é muitas", como disse Guimarães Rosa. É fogão de lenha e comida preparada na panela de pedra sabão; é turmalina e esmeralda; é tropa de burro e rios indolentes chorando a caminho do mar; é sino de igreja e tropeiros mourejando gado sob a tarde incendiada pelo hálito da noite. Minas é Mantiqueira e serrado, é Aleijadinho e Amílcar de Castro, é Drummond e Milton Nascimento, é pão de queijo e broa de fubá. Minas é uma mulher de ancas firmes e seios fartos, sensual nas curvas, dócil no trato, barroca no estilo e envolta em brocados, ostentando camafeus. Minas é saborosamente mágica. Mineiro sai de Minas, mas Minas não sai da gente. Fica uma dor forte,funda, farta e fértil, tão imponderável como o amor místico, onde o coração lateja embevecido por inefável paixão.

Ave, Minas! Batizada Gerais, és uma terra muito singular.


Frei Betto é mineiro e escritor.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Confissões de uma filha idosa sobre uma mãe adolescente


"Antes de começar a falar das mães, vou fazer uma prévia da minha triste história de vida. Atualmente sou o ser mais velho e maduro da família. Tenho um irmão mais velho, que sou eu quem cuida. O pai dele e minha mãe se separaram quando ele tinha um ano. Meu pai, bem mais velho que minha mãe, nos criou. Um pouco conservador e bem a frente do seu tempo, faleceu quando a gente tinha entre os vinte anos. Minha mãe, o amor da minha vida, é uma flor de pessoa. Baby-boomer e ex-hippie, é adepta à filosofia de vida: Ser feliz e aproveitar cada momento! E quem cuida dos negócios? Da crise? Das minhas crises? Das crises do meu irmão? Até o meu analista me abandonou alegando “incapacidade de reversão do quadro de histeria crônica”.


Não, não vou fazer disso um grupo de análise para cuidarem de mim, voltemos às mães:


Algumas mães se casam, não é? Por quê? Céus, por quê? Infelizmente, essa é uma história baseada em fatos reais.


Existem três tipos de mães:


As solteiras - Essas não entram na nossa lista negra pelo simples fato de que sempre foram e sempre serão assim, então as filhas já nasceram acostumadas com isso.


As divorciadas, uma das piores raças – Casam-se no desespero sem muito escolher, diga-se de passagem. Eis que um belo dia o marido diz: Vou me mudar pra Pindamonhangaba. Você tem dez minutos para vir comigo. Claro que ela não vai e passa o resto da vida alugando o ouvido do rebento, sem querer falar mal ou influenciá-lo contra o pai, posto que ela nunca faria isso.


E as viúvas – Dessas me recuso a fazer piada, o marido simplesmente morreu.


E aí meus queridos, após a ocorrência de um dos dois casos anteriores a mãe DESPIROCA, com todo respeito às mães do meu Brasil. Vira enfim a pior e a mais preocupante de todas as espécies, a chamada MÃE ADOLESCENTE! É o fim da nossa paz. Enquanto elas estão na rua se esbaldando a gente não dorme mais de preocupação.


Aos 19 anos assisti à peça de um amigo do meu irmão, Minha Mãe é Uma Peça, inspirada na mãe e na avó do autor/ator. Era uma mãe linda de avental, chinelo com meia, bobs no cabelo e vassoura na mão. Será que ele achava a dele ruim?! Uns com tanto, outros com tão pouco!


E por falar em avó, tenho andado mesmo é com birra de vó combinada com terço, mas só combinada com terço. Minha cidade, no interior de Minas Gerais, tem 60.000 habitantes. É o tipo de lugar que durante a infância e a adolescência você é obrigada a rezar o terço. Obrigada por quem? Pela sua avó, obvio. Reza-se o terço na casa da sua bisavó, da sua tia avó, das amigas da sua avó, etc. E por incrível que pareça, passados alguns anos, sua mãe “enviúva” e a primeira coisa que a sua vó diz é:


- Que isso minha filha, sua mãe está muito nova pra se apegar com um terço!


Vale lembrar que essa é uma história baseada em fatos reais.


Não se esqueça também de rezar! Reze. Reze muito. Reze quantos terços forem precisos para que sua mãe não enviúve ou divorcie perto do carnaval!


Mais até que o primeiro beijo, essa é a experiência mais traumatizante que existe: ter uma mãe recém SOLTEIRA no carnaval. No carnaval do Rio de Janeiro então!


Primeira dica: guarde a com sete chaves em qualquer outro lugar do mundo.


Leopoldina está à disposição para quem precisar. Pelo menos a minha mãe foi bacana comigo. Optou por não sair para baladas, nights e afins pelos arredores, afinal, cidade pequena dá mesmo o que falar.


E como nem tudo são flores, já dá pra imaginar aonde ela resolveu bombar. Mariuzin, isso mesmo! Caí na besteira de perguntar:


- Mãe me diz, por favor, a verdade, você bebeu?


- Não lembro! – disse ela, muito franca.


- Bebeu então. E nem precisou beber muito, aposto! – silêncio.


Um belo dia, deitada no meu quarto refletindo sobre as lagartixas e a possibilidade da minha mãe arrumar mesmo um namorado (meus maiores medos na vida) ela entra:


- Minha filha, posso te perguntar uma coisa?


Certa de que não ia perguntar como nascem os bebês, respondi:


- Claro.


Ela então, começou:


- Eu tava na estrada – Rio X Leopoldina, serra de Teresópolis - e uma caminhonete dessas grandalhonas, que eu gosto, começou a me cortar e reduzir...


“Ai meu Deus foi assaltada!” – pensei.


Até que ela confessou ter resolvido emparelhar para ver o que era. Que pessoa em sã consciência faria isso?! E como se não bastasse, continuou:


- Quando fiquei do lado da caminhonete, o homem abriu o vidro e fez assim pra mim. – Reproduzindo o gesto do Chico Anísio como professor Raimundo e seu salário.


- O que você fez mãe?


- Eu acelerei claro, fiquei com medo!


- Mãe, por favor, não diz que você ficou medo de ele estar te mostrando um tamanho!


Possessa, saiu do quarto.


Meses depois, Deus é Pai não é padrasto, com toda força da expressão, ela começou a namorar. Um moço bom, educado, distinto, de boa família, com só um defeito: ele era o namorado da minha mãe!


Muito trabalhador por sinal, concursado. Não preciso falar que bastaram dois meses de namoro para minha mãe mandar até o MEU namorado, que nem tinha aparecido na história fazer concurso.


No começo elas são respeitadoras por demais, namoram escondido! Quanta maturidade! Seria inevitável, mas um dia ela iria dormir na casa do seu namorado e ai, como diz um sábio primo meu, o jeito é rezar para ela sonhar a noite toda com o papai.


Após meses de namorinho de portão, é chegado o grande dia. Não dá mais pra fugir. Ela arma uma emboscada e você faz o que nunca devia ter feito na sua vida: conhece o indivíduo. É aí que você começa a odiá-lo mais ainda, afinal ele é gente boa demais, e de indivíduo vira pessoa, ‘coliega’, ‘parcero’.


Até que um dia acontece. A minha primeira vez foi em uma viagem com minhas duas irmãs, filhas do meu pai, mais velhas, casadas, mães, maduras, que tiveram um pai solteiro e não uma mãe.


Flash back_ Loja de um monte de coisas em Paris:

Eu: Calma aí gente eu tenho que ver o preço desse relógio que o meu PADRASTO pediu!


PAUSA MUITO DRAMÁTICA


As duas olharam para mim com cara de v-o-c-ê t-á l-o-u-c-a?! Eu me olhei internamente com cara de me internem! Maldita língua grande, boca maligna, cérebro cabeçudo e coração mole, molenga que sai acolhendo o arquiinimigo assim!


As duas juntas: Já virou padrasto? Só vira depois que casa!


A mais nova: Eu nunca chamei sua mãe assim.


Tentei consertar com a célebre resposta - é porque minha mãe não é nenhuma bruxa feia nariguda e com verruga! – e é claro que elas não engoliram.


Desde então, minha mãe. Se vocês a virem, mandem um beijo. Diz que mandei, porque quando eu encontrar com ela cara a cara, vou olhar dentro dos olhos dela e falar:


- Quer virar livro ou peça de teatro?






Beijo me liga!"

Sthael e Stephano Matolla.