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quinta-feira, 4 de junho de 2009

Os Anos Dez

Rio de Janeiro, 04 de Junho de 2059


                    O sol acabara de apontar nessa quarta-feira saudosista. O sono pesado dos vinte e cinco ficou na memória. É estranho ninguém ter descoberto uma fórmula para eliminar a vista cansada. O banho de sol das folhas verdes visto pela janela traz uma recordação gostosa de Laranjeiras. As primeiras descobertas, as primeiras quedas e as primeiras vitórias fazem parte desta década tão marcante. O funcionalismo público era entediante! Meu Deus, como era possível trabalhar com contabilidade aos vinte e seis anos? Minha primeira campanha publicitária era veiculada no antigo O GLOBO. Assinava a minha primeira direção em um espetáculo de repercussão surpreendente. O primeiro contato com a morte também veio nesse tempo. O fim de alguém próximo era raro e assustador! De olhos fechados, tenho a imagem na minha mãe. A saudade é tanta. Os problemas tomavam uma dimensão muito maior do que na verdade eram. Discussões sem pé nem cabeça. Seria capaz de dar o mundo por uma tarde contando a ela tudo de bom que a vida trouxe nos últimos anos. Nossos religiosos cafés dos sábados no Leblon eram marcantes nos anos quarenta. Lembrávamos do começo do milênio, dos pensamentos insanos daquela década. Deus, quanta ingenuidade! As idas e vindas para Leopoldina aos finais de semana, o almoço de domingo na casa da Mãe Léa, com a macarronada e o pernil da Ana, que não como à cerca de trinta anos, que cheiro! O hoje ícone brasileiro da engenharia João Pedro Matolla Brettas, naqueles tempos, gritava ordenando ao Tio Rogério a abaixar o som, enquanto o compositor João Marcelo pedia o contrário. A dermatologista renomada Raíssa Matolla ingressava na faculdade ao passo que a minha irmã dava início a sua carreira administrativa. Minha irmã! O que seria da minha vida sem ela? Desde que nascemos a nossa cumplicidade profissional já era presente. Ela sempre soube administrar com firmeza as minhas criações. E sem ela, acho que seria impossível ter construído um patrimônio. Meus padrinhos me presenteavam com o batismo da internacional Nicolle Matolla, naquele tempo minha Nicollina. Como eu sinto falta do cafezinho na cozinha onde a Mãe Léa, com sua sábia experiência, tentava inúmeras vezes me fazer entender o porquê de cada por que! Nessa década, vivi meus tios. Aprendi a amá-los. As madrugadas insanas com a Tia Silmara eram curtidas até a última ponta enquanto o Tio Rogério me ensinava a gostar de música. As viagens para Resende eram o máximo! Ria, chorava, aprendia e ouvia muito minha Madrinha Poetiza e meu Padrinho Woorkaholic. Aprendi a dirigir. Digo, comecei a tentar aprender. Como eu era barbeiro! Os gritos de pavor da minha mãe eram hilários. Já não dirijo há uns cinco anos, não sinto a mínima falta. A ausência do meu pai era incômoda. Lamento ter vivido meu pai apenas ao fim. A Mãe Léa tinha razão! O biscoito frito e o bolo da Tia Wilma eram especiarias, posto que a Tia Wilma é eterna. O Ronaldo me acordando após uma bebedeira pra pegar o ônibus pro Rio, enquanto minha mãe só sabia que eu tinha viajado depois do sono, praxe. Amigos. Tantos especiais passaram nesses anos. Alguns, estreitando parcerias profissionais firmadas até hoje. Os sustos que o Brandão levava com a minha inconseqüência eram constantes. Pobre Brandão! Como era fácil culpar minha mãe pela minha incompetência. Só depois dos quarenta entendi que nós somos os únicos responsáveis pelo que recebemos da vida. O Marcos foi meu primeiro patrão. Ensinou o verdadeiro significado de responsabilidade. Sou muito grato a ele. Lula, o Lula! Uma decepção aos contestadores esquerdistas. A Rede Globo era a quarta maior emissora do mundo, enquanto a Record tinha uma qualidade de imagem péssima. Quem diria! Hoje, aos setenta e seis vejo com emoção tudo àquilo que passou. Os cabelos brancos me denunciam. Tinha medo de não tê-los. A coluna dói. A fisioterapeuta chegou, minha sobrinha neta predileta! Vai começar a sessão. Fico por aqui, com carinhos saudosos...

Stephano Matolla.

04/06/2009